Valdozende

Francisco Silva

Os JT e a sua participação nos Campos de Trabalho de Valdozende
A minha experiência de 1971
Senti como que um “abanão” para escrever - porque me encontro em terra firme, pois, se fosse no ar, seria “ um poço de ar “. E aqui vai o meu testemunho, como participante JT nos Campos de Férias, digo, de Trabalho ( não forçado a não ser nos copos ).
Os “JT” foram convidados para os campos de trabalho através do Pastor Metodista Reverendo Francisco Abel Lopes. O Rua, aqui no blogue, na narrativa da nossa história, das nossas origens e raízes, explica bem a razão do convite e o porquê da escolha, que não foi por acaso.

À primeira chamada fomos somente três ou quatro jovens, motivados, mas com grande expectativa por desconhecermos as gentes e o terreno. Assim que chegámos enraizámo-nos tipo “TOYOTA chegamos para ficar”. Da parte do Torne ( se bem me lembro ) eu, o Martins, o João Louro e o Poinhos.

Assim começou a nossa senda, imbuída sempre do espírito comunitário já adquirido com as experiências vividas no seio dos Jovens do Torne.

Formou-se a Casa da Comunidade, onde fazíamos as refeições. Alguns de nós dormiam em tendas de campismo, à saída da aldeia. Para surpresa nossa, começamos logo a cativar o povo e a “palavra-chave” foi criar animação às noites ( serões ) na eira do Snr. Afonso Dias; lembro-me que foi nesta mesma eira que se dançava o “vira mandado”, se produzia o ”desfile de moda” e os ”bailes populares”.Foi também palco para os primeiros Cultos celebrados pela Igreja Metodista, em que o patamar da escadaria servia de altar para a celebração.

A partir daqui, os Cultos começaram a ser feitos numa casa do monte, que servia para guardar o milho, de construção tosca, ( pedra sobre pedra ), sem reboco, mas muito original; o Sol entrava pelas frestas e iluminava uma cruz feita por nós, muito artesanal. Os bancos eram tábuas toscas, assentes em tijolos.

Às noites, ao jantar, tornou-se quase imperativo que fosse lido o “Jornal do Assento”, (era mesmo feito duma assentada), onde se descreviam as notícias-bisbilhotices do dia-a-dia, ou seja, os “apanhados” ao longo do dia vividos pelos jovens intervenientes no campo. A sua leitura, além de servir de aperitivo, provocava um autêntico “gag”(gargalhadas até ao umbigo ).Existia uma capa para recolher o guardanapo na qual, à despedida, se registavam algumas frases como estas:

“Para que esta camaradagem possa ser encarada com um sentido mais comunicativo". (Poinhos)

“Que o copo “hereditário”se levante em sinal de vitória. Uma presença

válida em Valdozende (como diria Nuno Martins),cantiga do Chico dá Gente”

( João Louro )

“Quinze dias que jamais esquecerão” ( Martins ) 5/9/71

“Chico :- Sempre avante. Havemos de vencer” ( J. Armindo )

“Ao “ Rei de Valdozende “ com os desejos que a sua monarquia se

prolongue por muito tempo aqui ou em qualquer outro lugar”. ( David )
“Para ti Chico apesar de ter estado uns poucos momentos, nunca mais

esquecerei (…), o teu humor e a boa vontade anime o mundo inteiro

como animaste este humilde povo de Valdozende”. ( Carlos Alberto )
“Amor é dor e alegria ! Partiu o Chico:

Ficou o ambiente mais triste; permaneceu a amizade imorredoura”

( Dr. Marques )
“O meu desejo é que tenhas colhido as melhores flores que aqui houve

oportunidade de colher”. ( Bela ) 12/9/71
“Ao companheiro da jeropiga de quem sempre me recordarei com saudade”.

( Anabela Marques )
“Não esquecerei a mezinha para a gripe, quente doce e amorosa..”

( Mamã Arminda )
“Ao admirável Chico, pela sua participação na “Alegria de Viver”, em Valdozende

Muito obrigado”. ( Abel Lopes )



Desengane-se quem pensar que foram apenas tempos de festa.
Foram tempos de ganhar calos nas mãos das “roçadas“ onde alguns madrugadores (jovens) se inscreveram com partida marcada para as 6,30 da manhã, com o apoio, não de tractores, mas sim de carros de bois, pois assim não se contribui para a contaminação do ambiente devido ao gasóleo, mas desta forma tornava-se mais ecológico, exceptuando as baforadas largadas à noite, ao regresso, soltas pelos intervenientes devido aos vapores alcoólicos que poderiam contribuir para o “buraco do Ozono”. Participamos, e de que forma, nos mais variados trabalhos junto de quem nos pedia colaboração.

Como o analfabetismo era assustador, conseguimos fazer umas aulas para aprendizagem das primeiras letras, ensinar a ler e a escrever o nome. Recordo que numa certa noite fui chamado para dar a aula, só que eu não possuía o CAP para dar formação, o que eu possuía, sim, era o COP, mas já com mestrado!

Participava sempre, também em representação dos jovens (como era dos mais velhos), com o Rev. Abel Lopes e a “mamã” Arminda, nas visitas a casais, na tentativa de resolução de quezílias ou questiúnculas e no esclarecimento possível das dúvidas que possuíam aos mais diversos níveis. O planeamento familiar foi um trabalho prioritário, muito sensível e de difícil introdução porque era um assunto “tabu”.
Nas deslocações à “piscina” (tanque de regadio), tínhamos que atravessar parte da aldeia, e assim causamos uma polémica involuntária entre o povo pelo simples facto de nos deslocarmos em “courato” (tronco nu).
Os momentos de ócio e de convivência são inesquecíveis: as serenatas no Calvário, junto à estrada, sempre com um sapo por companhia. As serenatas na Eira da Pedra. O desenrolar de paixões da ocasião, no Bairro do Sol em noites de Lua cheia ( as mais iluminadas ).
Muito mais poderia relatar, mas para não ser enfadonho, eis aqui um resumo para quem já não se recorda, ou viveu a grande experiência comunitária que a todos engrandeceu, e lembrar o contributo que os Jovens do Torne levaram para terras de Valdozende, para a consolidação da presença duma Nova Igreja, do cimentar da solidariedade entre a população e do significado da ajuda desinteressada.

Muito aprendemos com aquele povo. Muito lhe devemos.
E, já agora, a todos aqueles que comigo conviveram e partilharam algumas experiências e também algumas agruras, o meu Muito Obrigado, e dá para afirmar que “valeu a pena ser Jovem do Torne”.

Francisco Silva ( Chico ) ,15.09.2010

3 comentários:

  1. Nós somos agora os JOVENS DO TORNE, sempre!

    Porque somos valorosos, porque acreditamos sempre numa humanidade nova.

    Viva o Chico!

    Joaquim Armindo

    ResponderEliminar
  2. Chico
    Além dos laços familiares que nos une, tu és ( sempre foste )bom companheiro nos bons e maus momentos.
    Um grande abraço
    Antonio Brilhante
    Luanda 26/10/10

    ResponderEliminar
  3. Oh Chico!

    Então não é que eu encontrei a Miriam como Pastora em Moura em pleno Alentejo? E os JT foram muito lembrados!
    Um abraço do

    David

    ResponderEliminar